quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Imagética Motora Psicocinética no Retreinamento do Controle Voluntário Esfincteriano do Ato Miccional.



Prof. Dr. Felismar Manoel (1)

Relato de Caso Próprio


Resumo:

Emprega-se a prática mental com a intenção de promover a aprendizagem de uma habilidade motora, entendendo-se como prática mental a simulação mental de repetidos movimentos. O objetivo deste estudo é relatar o êxito obtido, mediante as atividades psicocinéticas de relaxamento, ideação mental e imaginação, da realização dos movimentos comportamentais que envolvem a ação miccional, e em sequência, a realização cinesioterapêutica dos movimentos musculares que foram inicialmente imaginados. A metodologia de base psicocinética trabalha com a teoria de que os movimentos ideados, mentalizados e imaginados sequencialmente, como uma vivência, entendido, sentido e imaginado mentalmente, fisiologicamente melhoram a irrigação sanguinea das áreas cerebrais que têm relação de pertinência com as ações motoras referidas, melhorando as próprias ações motoras quando posteriormente são realizadas, ou facilitando o retreinamento de movimentos que tiveram suas performances prejudicadas, ou suprimidas. Conclui-se como exitosa a metodologia da fisioterapia psicocinética e como operante a técnica do treinamento mental e da imaginação vivencial, ideando os movimentos a nivel do pensamento, antes da execução dos exercicios cinesioterapêuticos.

Palavras Chaves: Ideação Motora, Treinamento Mental, Imagética Motora, Bexiga Neurogênica Parcial.


Introdução

A Resolução COFFITO 80, que complementa a Resolução COFFITO 8, em suas considerações iniciais, afirma que a fisioterapia sendo uma ciência aplicada, tem como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, tanto nas alterações patológicas, como nas repercuções psíquicas e orgânicas, objetivando a preservação, a manutenção, o desenvolvimento e a restauração da integridade de órgãos sistemas, ou funções do ser humano. Considera também o seu processo terapêutico, com conhecimentos e recursos próprios, valendo-se das condições psico-física e social do cliente, ou paciente, para buscar, promover, aperfeiçoar ou adaptar o individuo a uma melhor qualidade de vida, através da relação terapêutica (COFFITO - Resolução nº 80).
Atualmente tem sido empregada a prática mental com a intenção de promover a aprendizagem de uma habilidade motora, entendendo-se como prática mental a simulação mental de repetidos movimentos. Publicações bem recentes tem demonstrado êxito da prática mental, combinada à cinesioterapia, para promover a reaprendizagem motora, fortalecendo a crença que ela reforça processos encefálicos indutores da reogarnização cortical (Pacheco et all, 2007 ).
Pesquisadores das Universidades Federais de Santa Maria e Rio Grande do Sul, avaliaram a qualidade de vida em mulheres com incontinência urinária de esforço, antes e depois da aplicação de um protocolo de tratamento com Imagética Motora, consistindo no treinamento e aprendizagem de habilidades motoras e força muscular. A intervenção teve foco principal no ensino e na realização de exercícios perineais, que após mentalizados, foram efetuados através da prática mental (Torriani el all, s/d).
Semelhante à imagética motora, também o reconhecimento de partes do corpo aciona representações somatosensoriais específicas, ativando-as implicitamente para comparar o corpo com o estímulo. (Lameira et al, 2008).
O objetivo deste estudo é relatar o êxito obtido, mediante as atividades psicocinéticas de relaxamento, ideação mental e imaginação, da realização dos movimentos comportamentais que envolvem a ação miccional, e em sequência, a realização cinesioterapêutica dos movimentos musculares que foram inicialmente imaginados e mentalizados vivencialmente.

Relato de Caso

Pessoa do sexo masculino, 73 anos, residente em Caxias, RJ; fisioterapeuta com formação psicanalista e atuação em psicocinética, praticante de meditação, atividades físicas leves e treinamento da energia vital (QI); usuário de dieta vegetariana preferencial, com substituição da proteina animal pela proteina de soja (sem dosagem dos níveis de vitamina B 12); portador de hipertensão arterial familiar compensada (sob o uso de losartana potássica, 50 mg/dia e amilorida com hidroclorotiazida, 5-50 mg dia respectivamente), bem como, portador de uma manifestação de mioclonia hemi-fascial esquerda, de natureza idiopática; com 1,65 metros de altura quando jovem, tendo diminuído para 1,55 metros de altura na idade atual, pesando 72 quilos. A cerca de três anos atrás sonhou que estava urinando, e ao acordar percebeu que estava todo molhado de urina e que estava sem o controle esfincteriano para o término da micção; sentia a vontade de urinar em seu inicio, mas não conseguia perceber se tinha acabado a micção, levando de 15 a 20 minutos, vasando a urina sem perceber. Procurou exame médico, sendo examinado a próstata, constatando normalidade para a faixa etária. Não conseguiu adaptar-se ao uso de fraldas absorventes, desenvolvendo irritação da pele, alergia cutânea, lesão da pele peniana e dois episódios de infecção urinária, além do mau cheiro. Optou-se por não usar nenhum recurso e passar a esperar a conclusão de cada micção , o que tornou muito constrangedor, em consequência a estar sujeito a usar sanitários públicos, quer de bares e shopings, quer do próprio ambiente do trabalho, pois pela demora da micção levava as pessoas a interpretarem mal a demora e fazerem mau juizo. Talvez seja a parte mais dificil, sofrida e constrangedora, durando este período cerca de oito a onze meses, mais ou menos. Recusou a intervenção médica e médico-cirúrgica para episódio de bexiga neurogênica. Diante da situação desconfortável pela qual passava, resolveu desenvolver uma tentativa de atividades neurobióticas para retreinamento de controle esfincteriano, uma metodologia e técnica que estava ao seu próprio alcance, a seguir descrita.

Metodologia

No presente estudo não consta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme normas da Resolução 196 do CNS, por se tratar de um autorrelato da pessoa envolvida.
A metodologia de base psicocinética trabalha com a teoria de que os movimentos ideados, mentalizados e imaginados sequencialmente como uma vivência, entendido, sentido e imaginado mentalmente, fisiologicamente melhoram a irrigação sanguinea das áreas cerebrais que têm relação de pertinência com as ações motoras referidas, melhorando as próprias ações motoras quando posteriormente são realizadas, ou facilitando o retreinamento de movimentos que tiveram suas performances prejudicadas, ou suprimidas.
Durante os três primeiros meses, duas, ou três vezes ao dia, estando em posição corporal confortável, entrava em exercicio de relaxamento, com respiração diafragmática e sentimento de bem estar; em sequência, exercicio de imaginação e mentalização, como uma experiência vivencial: estava se levantando e indo ao sanitário, se despindo apropriadamente e iniciando a micção, acompanhando o ato miccional e concluindo a micção, seguido do vestir-se adequadmente e retornando à posição do conforto anterior; toda essa sequência era imaginada mentalmente. Após três meses desses exercicios, começou-se por perceber a finalização do ato miccional, embora ainda sem o controle total do esfincter vesical. Esta situação durou por mais três meses, passando a fazer os exercicio duas vezes ao dia e incorporando os exercicios cinesioterapêuticos, que foram orientados por dois fisioterapeutas, Dr. João Guilherme e Dra. Adriana Verçosa, em razão das suas habilidades especializadas. Houve progresso no controle esfincteriano e ao completar seis meses de treinamento, passou-se a dispensar as atividades imagéticas em separado, passando as mesmas a serem exercidas durante os atos miccionais normais. Conseguiu-se normalizar o controle miccional, com uma diferença entretanto: o inicio da micção ficou mais demorado, cerca de dois a três minutos, sendo mais fácil quando na posição sentado, o que nem sempre é possivel. As atividades cinesioterapêuticas referidas acima, são exercicios de contração voluntária para musculatura do assoalho pélvico e dos esfinteres vesical e anal.

Resultado e Discussão

As atividades mentais imaginando determinados movimentos e tendo repercussões com a musculatura agonista de tais movimentos, já são conhecidas a bastante tempo. Não me lembro da referência que publicou tal trabalho, mas parece-me ter acontecido lá pelo final de 1800 ou inicio de 1900, com uma experiência de Jacobson, que colocou eletrodos na musculatura do pescoço, nos músculos agonistas da extensão da cabeça, como se olhasse para o alto; estando a pessoa deitada em uma cama, solicitava a ela que imaginasse que estava olhando para o alto e observou-se que os músculos agonistas da extensão de cabeça, registrava os fluxos energéticos recebidos, embora só se estivesse imaginando a ação.
Muitas práticas da moderna neuropsicologia trabalha com essas bases teóricas, sendo o moderno conceito de engramas neurais e de engramatizações cerebrais de comportamentos, incluindos comportamentos motores, se enquadrarem nesses principios. Com certeza, na prática clínica, fortalece-se a convicção de que quando se trabalha o aprendizado, ou o reaprendizado motor, começando-se pela ideação, mentalização, ou imaginação do movimento, a performance se constroi com menos tempo e com maior perfeição do ato motor. É claro que é preciso considerar, que a faixa etária do paciente, situações relacionadas com a nosologia e com a patologia, disposições temperamentais do cliente antes do seu acometimento, são fatores interferentes e que devem ser avaliados, quando em uma programação terapêutica. Esse relato confirma o êxito terapêutico usando a técnica da imagética, de acordo com os principios da fisioterapia psicocinética. Confirma-se satisfatoriamente para o cliente, ter se livrado dos incômodos da incontinência parcial, do grande sofrimento e desconforto, notadamente ter-se livrado do constrangimento social a que estava exposto.
Acerta o COFFITO quando faz as considerações da Resolução 80, incluindo as repercuções psiquicas e orgânicas, bem como as condições psico-física e social do cliente, corroborando com esse pensamento os trabalhos referidos na introdução.

Conclusão

Pode-se concluir como exitosa a metodologia da fisioterapia psicocinética e como operante a técnica do treinamento mental e da imaginação vivencial, ideando os movimentos a nivel do pensamento, antes da execução dos exercicios cinesioterapêuticos.
Há que se debruçar sobre esses fatores envolvidos, para se pesquisar com maior objetividade e melhor controle de variáveis intervenientes, já que se tem recursos técnicos, por meios mais modernos de pesquisa.


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Referências Bibliográficas

COFFITO - Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional - Resolução nº 80 - DOU nº 093 - 21/05/87, Seção I, Págs.7609;

Lameira AP, Guimarães-Silva S, Ferreira FM, Lima LV, Pereira Jr A, Gawryszewski LG. Postura da mão e imagética motora: um estudo sobre reconhecimento de partes do corpo. Rev Bras Fisioter. 2008;

Pacheco M, Machado S, Lattari JE, Portella CE, Velasques B, Silva
JG, Bastos VH, Ribeiro P. Efeitos da prática mental combinada à cinesioterapia em pacientes pós acidente vascular encefálico: uma revisão sistemática. Revista Neurociências, 2007 ;

Torriani, Juliana Marazini, Ana Lucia Cervi Prado, Nara Maria Severo Ferraz Marília Rossato Marques. O Efeito da Imagética Motora na Qualidade de Vida em Mulheres com Incontinência Urinária. UFSM e UFRGS, s/d


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(1) - Professor Mestre Adjunto I da UNIGRANRIO; Doutor em Filosofia da Religião - SETESA/Não Capes; Mestre em Ciências da Motricidade Humana - UCB/Capes; Formação em Psicanálise Clínica - SFPC; Formação em Psicomotricidade Sistêmica - CEC; Formador-Didata em Terapia Psicomotora Analítico Clínica - TEPAC do CEBRASC; Especialista em Docência Superior - IBMR; Bacharel em Fisioterapia - IBMR; Bacharel em Filosofia - SETESA; Bacharel em Teologia - SETESA; Bispo Primaz do Catolicismo Evangélico Salomonita - ICAI-TS.

                    Endereço: felismarmanoel@gmail.com