sábado, 9 de janeiro de 2021

2 - Memórias Pury – Gemúmae Pury - Dentes, instrumentos da saúde – Djêa tipímo

 

Lembranças de minha aldeia rural/Gemúnae unhúm birruã ambó-goára (gaambó-goára).


Memórias da Aldeia Rural Pury de Fazenda dos Gregórios em Cruzeiro, Distrito de Tuiuitinga, Município de Guiricema, Zona da Mata, Estado de Minas Gerais, Brasil.


por Nhãmãnrure Stxutér Pury (*)

(Felismar Manoel)


(*) O texto pury está escrito conforme a pronúncia percebida, usando os recursos do português brasileiro.



A Saúde da Boca – Tipímo-Txoré (Tipímo unhúm Txoré)

Dentes, instrumentos da saúde - Djêa Tipímo.



Uma curiosidade – Quando um dente de leite de uma criança já estava mole, fácil para ser extraído, um adulto amarrava uma linha nele e pedia a criança para manter a linha esticada, enquanto isto, outra pessoa procurava provocar um susto na criança, que, com o impacto sentido, acabava por arrancar o dente de leite sem a criança nada de grave sentir, sendo que quando era o primeiro dente extraído, ele era jogado acima, sobre o telhado, ou outra cobertura, para que o rato o carregasse e então, o lamã (espírito) protetor dos dentes , trouxesse um outro dente novo para a criança nativa das florestas (indígena).


Desde bem cedo se cuidava da saúde dos dentes das crianças, pois o sistema de tratamento da saúde do povo pury considera os dentes como instrumentos para a saúde (Djêa tipímo), bem como a boca (txoré) e os lábios (txé, txéa), por isso, na época do frio, lavava-se às mãos, e com a polpa do dedo limpo, molhava-o no azeite com malva cheirosa e espalhava-o nos lábios para proteger.


O azeite da mamona era produzido pelo povo pury e era aquecido com folhas de malva cheirosa, ou com flor do algodoeiro, deixando esfriar, quando então se retirava as folhas ou flores, e guardava-o para uso na proteção com o unguento labial (buzunto txéa).


Com frequência lavava-se a boca, fazendo bochechos com água de hortelã e casca de juá vermelho ou amarelo. Quando se comia pequenos pássaros ou outros pequenos animais assados (os que não olham para o céu de Dokóra), se ficassem detritos da comida entre os dentes, usava-se o fio de guaxima para passar entre os dentes e retirar tais resíduos, sempre usando os bochechos com água de hortelã e juá. (A guaxima é um tipo de malvona muito comum nas regiões próximas as florestas, sendo utilizada suas fibras para confeccionar diversas peças de uso nas famílias pury).


Toda fase da lua crescente, desde os sete anos, os puris escovam seus dentes esfregando a casca do juá e depois usando uma pequena escova, tipo vassourinha, feita com um ramo descascado e macerado com pancadas de madeira, para separar suas fibras e no final enxágua a boca com bochechos de água ou chás de hortelã. Essa pequena escova ou vassoura para os dentes, é feita de um abundante e diversificado vegetal genericamente chamados de “vassouras”, ainda existente na minha atual região (não sei qual é a sua classificação botânica).


Usava-se também esfregar o pó de carvão vegetal com a polpa do dedo nos dentes, usando retalhos de bucha vegetal, para retirar as placas amareladas das superfícies dos dentes, sempre usando água corrente e enxaguando com a água de hortelã.


Diariamente, antes de dormir, o adulto pury examina a boca e os dentes com seu dedo, coloca água de hortelã e esfrega as gengivas, após cuidar de seus dentes. Não conheci cáries dentárias entre os nativos que vivenciavam só a cultura pury, mas outros com hábitos de comer os doces dos brancos, apareciam os dentes estragados, inclusive as dores dos dentes, que eram tratadas com fumaça do fumo de rolo queimado nos “pitos de barro” construídos de cerâmica pury, incidindo o fluxo da fumaça na região do dente estragado; quando havia as dores de dentes, sem dente estragado, se usava tomar o chá de cravo (tempero de cozinha).

A água de hortelã podia ser substituída pelo extrato alcoólico de hortelã, produzido no sistema de tratamento de saúde pury (Florália Pury), misturado com água.