Dom
Felismar Manoel
Frater
da Ordem dos Irmãos Salomonitas
Fisioterapeuta
Clinico com Aprofundamento em Saúde da Família.
Nasci
em uma região de nativos de origem PURY, sendo eu mesmo um
descendente de terceira geração, onde o conceito de família é
muito ampliado, pois no meio indígena o conceito de família é
parental e a ela pode se incorporar novos elementos pelo princípio
do cunhadismo.
Sou
bisneto de Indira Pury com Tongo Mina, portanto uma india autêntica
com um africano genuíno, escravo em terras de Brasil. Minha avó
Maria Graciana, filha desse casal, contraiu casamento com um
português, Juaquim Soares de Souza Lima, e uma de suas filhas, Maria
Soares casou com um descendente italiano, Felicio Manoel Julinho, que
foram os meus pais.
Sou
filho de uma família já no conceito ampliado, pois meu pai era
viúvo com cinco filhos e minha mãe também viúva com quatro
filhos; do casamento dos dois viúvos nasceram mais seis filhos,
sendo eu o penúltimo a nascer e tendo por adoção na forma de
agregação mais quatro irmãos. Nossa família era muito bem querida
na região e nós, apesar de dezenove irmãos, nos considerávamos
verdadeira família, junto aos nossos pais e avós. Nesse ambiente
formei meu conceito de família, de modo pacífico, sem nenhuma
contestação.
Muito
cedo me envolvi nos trabalhos missionários e fui acolhido entre os
Franciscanos, na Ordem dos Frades Menores, onde aprendi a cultivar
também um outro conceito de família idealista, a “Família
Franciscana”, me transferindo mais tarde para a “Família
Salomonita”, em virtude de seus elos mais abertos à alteridade
cristã, onde milito desde 1959.
No
Seminário, no meu curso de filosofia, minha área de concentração
foi em comportamento humano, o que me levou a aprofundar nos estudos
de antropologia e psicologia, e no curso de teologia, meu
aprofundamento se deu em teologia fundamental e pastoral, me levando
a estudar no meu doutorado, o pensamento dos que se colocavam
contrários ao pensamento cristão, fazendo o strictu senso em
filosofia da religião.
No
campo teórico, foi tudo tranquilo, mas as coisas mudaram quando fui
para o campo do testemunho missionário da convivência com as
realidades sofridas das massas, pois fui trabalhar com missões
urbanas, enfrentando as duras realidades dos povos de ruas e das
periferias dos centros urbanos, fui conviver com eles, estreando-me
vez por outra como um deles. É claro que, como antropólogo, o
conceito de família nuclear, o pai, a mãe e os filhos, estava
presente na minha consciência, mas só ele, não dava conta de
acolher os numerosos casos de testemunho familiar que eu encontrava.
Tive
a oportunidade de ajudar na gestão de um Lar de Menores em São
Mateus, São João de Meriti, Rio de Janeiro, onde se recebia
crianças abandonadas, que às vezes, não se sabia, quem eram seus
progenitores e que se tornavam filhos e filhas daquele lar fraternal;
ali cresciam, se formavam, aprendiam a enfrentar a vida e ali era
realmente o lar da sua família.
Junto
aos muitos párias nas cidades grandes, tive a oportunidade de
conviver com os lares para moças e rapazes, onde geralmente esses
irmãos e irmãs encontravam verdadeiras famílias para conviver, e
por trás de seus anonimatos, dos seus lares de origem, se escondiam
verdadeiras histórias de sofrimentos, incompreensões, ausência de
ternura e aconchego.
Nas
ruas dos grandes centros urbanos e também nas periferias, encontrei
inúmeras famílias de sadia convivência, muitas das vezes ou uma
família do pai e seus filhos, ou da mãe e seus filhos, como também
encontrei famílias homoafaetivas, masculinas e femininas, cuja
convivência em apoio social, afetivo, econômico, eram com certeza,
de clima muito saudável para os envolvidos e para as comunidades do
entorno.
Foi
quando resolvi me tornar terapeuta, buscando um outro instrumento que
eu pudesse usar no trato com todos, tanto para o empoderamento de um
conviver saudável, como para ajudar a sarar as “feridas” que uma
vida mal compreendida pode gerar. Fiz um aprofundamento psicanálise
clínica e em fisioterapia em saúde da família, e percebi uma
grande ampliação no conceito de família que precisamos ter, no
trato com a população.
A
Constituição de 1988 consagrou espaço definitório e de
acolhimento a novas formas de famílias, e hoje, nós terapeutas,
pastores, ministros diversos ao prestar nossa assistência a
população, não temos como fazer, se nos afastarmos do espírito de
compreensão dos organismos internacionais e nacionais, quando
compreendem família no seu conceito ampliado, para as políticas de
saúde das populações, entendendo saúde como o completo bem estar
emocional, físico, mental, social e espiritual.
As redes de
missionários do bem, de pregadores, de ministros das religiões,
muito podem contribuir para esse novo olhar que o mundo oferece para
o conceito de família, a partir da união estável. É sempre bom
lembrar, que a lei me permite que eu forme a minha família do meu
modo especial, do meu jeito singular, mas que existem outras pessoas
com outras singularidades, e também elas, são pessoas, com o mesmo
grau de direito à cidadania que eu, podendo formar suas famílias de
outros modos, sob o amparo das leis.
O
ideal religioso cristão de uma família nuclear, formada pelo pai,
pela mãe e por seus filhos, continua e continuará sendo o sonho
desejado da maioria do povo de Deus que caminha, mas alguns deles
poderão não ter as habilidades que os capacitem para essa
competência, abrindo para eles então horizontes de um outro modelo
de vida também digna, onde em sadia consciência eles poderão
vivenciar um outro modelo de família, construindo ai o seu bem estar
pessoal, afetivo e social, e colaborando para uma sociedade mais
fraterna e solidária. Eu consigo de coração aberto, acolher com
simpatia outros modelos de famílias no ambiente social, como já o
faço nos espaços terapêuticos de saúde da família, no SUS ou
fora dele.
Duque
de Caxias, RJ, 04/01/2017