domingo, 16 de setembro de 2012

Efetividade da Fisioterapia Psicocinética no Enfrentamento do Baixo Rendimento Acadêmico de Universitários



Prof. Dr. Felismar Manoel (1), Rita Suellen Monteiro dos Santos, (2) Leticia Maura G. Figueiredo (2), Ubiratam Curcino Júnior (2).

Resumo
Objetivando verificar a melhora do rendimento acadêmico em alunos universitários através de atividades corporais (psicomotoras), foi desenvolvido um projeto piloto no período de fevereiro a junho de 2004 com quinze alunos de graduação, sendo (dois homens e treze mulheres), que apresentavam repetência em diferentes disciplinas em vários períodos de seus cursos. Essas atividades corporais foram realizadas uma vez por semana, com duração de sessenta minutos em um total de até treze sessões. Esses alunos adultos da graduação relataram dificuldades como, Insegurança, baixa concentração e dificuldade de memória, baixa assimilação e dificuldade de escrita, timidez, alta ansiedade e tensão, dificuldades de raciocínio, baixo aprendizado, sendo essas queixas categorizadas para orientar uma pesquisa futura. Após o período de aplicação dessas atividades físicas os alunos relataram autopercepção de melhora, reduzindo e/ou extinguindo o número de reprovações. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa - CEP da Universidade do Grande Rio - UNIGRANRIO.
Palavras-chave:
Fisioterapia Psicocinética; Baixo Rendimento Acadêmico de universitários; Terapia Psicomotora Funcional.
Introdução:
A cada início de período letivo, os professores percebem os espaços das universidades repletos de alunos que se movimentam para as buscas das realizações de seus sonhos pessoais, e às vezes, sonhos de suas famílias. É um espaço de encontro dos novos com os velhos alunos, de diferentes etnias e diferentes formações culturais, os quais vão compartilhar as múltiplas tarefas de ensino-aprendizagem, com novas linguagens pedagógicas.
Estudos com universitários dos primeiros períodos acadêmicos relatam a existência de dificuldades adaptativas desses alunos no ambiente universitário, com repercussões desfavoráveis ao rendimento acadêmico, citando como principais dificuldades, o enfrentamento aos métodos de estudos, as bases de seus conhecimentos prévios e a autopercepção das competências cognitivas (SANTOS E ALMEIDA, 1999).
Os alunos das universidades particulares, em sua maioria, já trabalham em algumas atividades em busca de recursos para pagarem ou complementarem as parcelas do custo financeiro do seu curso acadêmico, afetando as condições temporais que dificultam os seus respectivos envolvimentos nas atividades extraclasses, que geralmente são necessários como reforço e complemento de seus estudos na universidade (CARELLI E SANTOS, 1999).
Existe uma preocupação nas áreas pedagógicas e dos núcleos de apoio pedagógicos das próprias universidades, em encontrarem estratégias que ajudem os alunos que não conseguem um rendimento acadêmico satisfatório em seus estudos (PERRENOUD, 1999).
As intervenções terapêuticas psicomotoras, com suas atividades físicas caracterizadas como moderadas, tem registrado algumas evidências positivas, principalmente quando aplicadas na população infantil e na idade escolar (LE CAMUS, 1986; VECHIATO, 1989; KISHIMOTO, 2005).
Atualmente, com as pesquisas no campo das neurociências, vêm se confirmando a eficiência da experienciação corporal para as respostas da plasticidade neural, tanto em animais de laboratório, quanto em humanos adultos, esses últimos com melhoras da performance funcional ( KOLB E WISHAW, 2002).
É sabido que as atividades físicas moderadas, como são as atividades psicomotoras, tem um impacto positivo sobre o aspecto psicológico, produzindo sensação de bem estar e prazer, com redução da ansiedade e até mesmo da depressão (DUBOW, 2003). Por outro lado, os benefícios também se verificam no sistema nervoso, melhorando a saúde cerebral, através da promoção da vascularização, da neurogênese e consequente melhora do aprendizado (ROGERS etal, 1990; BLACK etal, 1990; VAN PRAG etal; LAURIN etal, 2001).
Estudos bem recentes apontam para a resolutividade das atividades físicas moderadas, como são os exercícios psicomotores, para a melhora da plasticidade neural, com efeitos positivos para o rendimento escolar e o aprendizado, desde a fase da infância até a velhice, podendo ser útil para diminuir o índice de reprovação acadêmica e melhorar o indivíduo como um todo, contribuindo para adaptação dos alunos à vida universitária, com reflexos positivos nos seus resultados de aproveitamentos acadêmicos (CASTELLI etal, 2007; HILLMAN etal, 2005; ORTEGA etal, 2008). Esses estudos fornecem subsídios animadores para a intervenção da fisioterapia psicocinética funcional, através do uso de atividades corporais psicomotoras, já proclamadas como legítimas para ajudar no desenvolvimento do ser humano (LE BOUCH, 1978; 1987 E 2008).
A fisioterapia psicocinética funcional é uma abordagem ainda pouco divulgada, que se apropria das variedades de atividades corporais psicomotoras para resolver questões da aprendizagem escolar, enquadrando-se nos ditames da Resolução nº 80 do Egrégio Conselho Federal de fisioterapia e Terapia Ocupacional, quando usa movimentos corporais humanos objetivando repercussões psíquicas e orgânicas, para preservar, manter, desenvolver e restaurar a integridade do sitema neuroencefálico e suas funções cognitivas ( COFFITO, Resolução 80).
Materiais e Métodos
Este projeto piloto foi desenvolvido entre o período de fevereiro a junho de 2004 com quinze alunos de graduação (dois homens e treze mulheres) que apresentavam repetência em diferentes disciplinas, em vários períodos de seus cursos. Esses alunos foram individualmente entrevistados e ouvidos, antes das atividades de reeducação funcional global, relatando eles: Insegurança, baixa concentração e memória, baixa assimilação e escrita, timidez, alta ansiedade e tensão, dificuldades de raciocínio e baixo aprendizado, sendo essas queixas categorizadas para orientar uma pesquisa futura. Foram submetidos a uma sequência de atividades corporais, utilizando as instalações do “dojô” da universidade, (uma sala com tatame, com cinquenta metros quadrados), que possibilita atividades corporais de solo. Essas atividades corporais seguiram os princípios de ativação dos esquemas filogenéticos, que são normalmente reprisados na ontogênese da pessoa, sendo este método denominado de Reeducação Funcional Psicomotora. Este método foi composto das seguintes sequências: rolamento e reptação corporal; sentar e arrastar-se no tatame com o apoio e tração dos braços e mãos; deslocar-se no tatame com apoio dos joelhos e mãos, tendo o tronco elevado no solo, sobre os quatro apoios; deslocar-se no solo, a partir dos quatro apoios e apoiar as mãos em uma cadeira para ficar de joelhos e em pé, a partir desta braqueação de apoio; deambular (em bipedismo) em linha reta, visando um alvo à distância de sete metros, com olhos abertos e com olhos fechados, para frente e para trás; deambular (em bipedismo) contornando obstáculos, com olhos abertos e com olhos fechados. Todas estas atividades corporais visam, através dos estímulos aferentes, disparados por todo o corpo, ativar os padrões e esquemas filogenéticos e otimizar a irrigação sanguínea das estruturas do sistema neuro encefálicos, e assim possibilitar uma melhor performance pessoal e rendimento cognitivo nas diferentes tarefas acadêmicas.
Resultados
Foram desenvolvidas sessões de atividades corporais com alunos uma vez por semana, com duração de sessenta minutos em um total de treze sessões no período de fevereiro a junho de 2004 utilizando o “dojô” da Universidade UNIGRANRIO em Duque de Caxias, visando a obtenção de melhoras nas principais queixas dos mesmos. Após o período de aplicação dessas atividades físicas todos os alunos (representados por letras) tiveram uma melhora, reduzindo e/ou extinguindo o número de reprovações, conforme tabelas 1 e 2 .
Tabela 1 - Acompanhamento de alunos antes e depois da terapia

Em arial: antes da terapia
Em Segoe: após a terapia

Reprovações por períodos, antes e após a terapia
Alunos
A
7
3
3
5
5
1


B
4
2
5
1
1
0


C
0
0
1
1
1
0
0

D
7
4
4
1
5
1


E
3
3
3
2
1
2
0
0
F
1
0
0
1
0



G
7
7
5
3
6
0
0

H
1
2
1
2
4
0
1
0
I
0
1
1
0
2
0
0

J
2
2
2
2
2
2
1
0
K
5
5
9
5
2
0




Observações: Quatro alunos que não forneceram dados completos foram excluídos

Tabela 2 - Relatos das autopercepções dos alunos



Aluno
Queixa principal
Nº sessões
Autopercepção após terapia
A
Baixa concentração e memória
4
Sente-se bem
B
Insegurança pessoal
10
Sente-se bem
C
Insegurança pessoal
13
Sente-se bem
D
Baixa concentração e raciocínio
4
Interrompeu
E
Timidez
6
Sem relato
F
Baixa concentração e memória
4
Sem relato
G
Baixa concentração
13
Sente-se bem
H
Dificuldade em relacionar com doente
10
Sem relato
I
Baixa memória
4
Sente-se melhor
J
Baixa concentração e memória
4
Sem relato
K
Timidez
13
Sente-se bem

Observações: Quatro alunos sem dados básicos foram excluídos
Discussão
A abordagem centrada na pessoa, adequada ao seu perfil pessoal, através da mediação do corpo, possibilita a ativação dos esquemas neurais elaborados durante a filogênese (evolução filogenética das espécies) e que normalmente se repetem durante a ontogênese (evolução embriológica, fetal e pós natal do ser humano), que enquanto vivência e experiência individual estimula a plasticidade neural, com melhoria da irrigação sanguínea cerebral local, do metabolismo neuronal e da facilitação na execução dos engramas sinápticos do encéfalo responsáveis pelos comportamentos pessoais, otimizando em conseqüência as funções globais do ser humano, conforme referência dos diversos autores citados acima.
Para um entendimento sobre a efetividade dos testes no qual os alunos foram submetidos, tomou-se de empréstimo algumas definições já conhecidas, como filogênese que estuda a história da evolução criativa das espécies, nomeadamente a constituição dos seres humanos como sujeitos cognitivos; a paleontologia humana, baseada em inúmeras investigações, com a afirmação de que os humanos nem sempre tiveram a mesma constituição e capacidades. A explicação mais consensual é que a evolução da constituição morfológica e funcional humana foi feita em simultâneo com o desenvolvimento das capacidades cognitivas (memória, linguagem e pensamento) e esta de forma articulada com o desenvolvimento das realizações, praxias e capacidades técnicas. Todos estes fatores de forma inter-relacionadas contribuíram para gerarem a espécie atual; e a ontogênese, em que o conhecimento é encarado como um processo de adaptações ao meio, que desde o nascimento ocorre em todos os seres vivos. Segundo diversos autores, a ontogênese repete e ativa os esquemas da filogênese, isto é, o desenvolvimento do ser humano é como que repetindo as fases de desenvolvimento de cada ente biológico do filo dos vertebrados (FONSECA, 1998), razão pela qual a sua reprodução como técnica terapêutica, oferece resultados favoráveis ao gerenciamento neuronal da performance pessoal do aluno.
Quando se analisa as literaturas e/ou os artigos científicos, se depara sempre com os autores se referindo às melhoras que as crianças têm com as atividades corporais, com a ativação dos esquemas filogenéticos que são normalmente reprisados na ontogênese da pessoa. São pedagogos, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e outros profissionais, que relatam melhorias do desenvolvimento neuropsicomotor dessas crianças, quando submetidas a essas atividades. Este estudo propôs verificar, se, assim como as crianças adquirem uma melhora em sua cognição quando submetidas a essas atividades corporais, também os adultos quando submetidos às mesmas atividades, obteriam melhora em seu comportamento de aprendizados, melhorando sua concentração, memorização, raciocínio e assim, proporcionar bem estar psicossocial e melhora na sua performance cognitiva individualmente.
Conclusão
Há consensualidade que a ontogênese humana reproduz etapas da filogênese dos vertebrados e que técnicas de atividades corporais utilizando tais esquemas são proveitosas terapeuticamente; entretanto, a história de vida da pessoa é um fator que exige individualização das abordagens, já que cada indivíduo é diferente um do outro em suas subjetividades; existem olhares plurais sobre as atividades corporais, o que não quer dizer que tais autores concluam divergências, pelo contrário, são pautados em pressupostos comuns da atividade física, da filogênese e da ontogênese. Quanto ao aspecto da resolutividade da fisioterapia psicocinética no enfrentamento do baixo rendimento acadêmico, foi verificado que há maior número de estudos que comprovam a eficácia em crianças e menor número envolvendo adultos, corroborando este trabalho para somar-se àqueles que concluem positivamente a favor do êxito também em adultos. Valorizou-se o aspecto fenomenológico do estudo, através da autopercepção dos alunos envolvidos, que relataram melhora em seus rendimentos acadêmicos, melhora da autoestima, melhora do grau de concentração, superação da timidez e da insegurança e melhora na memorização. Deve-se notar, que, parte dos alunos ao perceberem as melhoras, resolvendo suas queixas principais, abandonam o cenário terapêutico, impedindo uma avaliação mais plena por falta dos seus respectivos dados.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, L. S., Balão, S. Treino cognitivo de alunos com dificuldades na aprendizagem: reflexões em torno de uma experiência no 5º ano. Revista Portuguesa de Educação. v. 9, n. 2, p. 29-41,1996;
ALMEIDA, L. S., Inteligência e aprendizagem: dos seus relacionamentos à sua promoção Psicologia : Teoria e pesquisa, v 8, n.3, p. 277-292, 1992;
CARELLI, M. J. G., Santos, A. A. A. Condições Temporais e Pessoais de Estudo em Universitários. Psicologia Escolar e Educacional, v. 2, n. 3, p. 265-278, 1998;
CASTELLI DM; Hillmam CH, Buck SM, Erwin HE Physical fitness. 2007;29:239-52
COFFITO RESOLUÇÃO 80 - Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional;
KISHIMOTO TIZUCO M. – Jogo, brinquedo e brincadeira e a educação (organizador) 8ª edição . São Paulo: Cortez, 2005;
KOLB; WHISHAW, Ian Q. Neurociência do Comportamento. Barueri: Editora Manole Ltda;
FONSECA, Vítor da. Manual de obsevação psicomotora: significação psiconeurológica dos fatores psicomotores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995;
FONSECA, Vitor da. Da filogênese à ontogênese da motricidade. Porto Alegre: Artes Médicas,1988. 309 pp;
LE CAMUS,  Jean. Psicomotricidade, Editora: Artes Médicas, Porto Alegre, 1986, 164p;
LE BOULCH, Jean. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Trad. Por Ana Guardiola Brizolara. 7ª edição. Porto alegre: Artes Médicas, 1992;
NETO, Francisco Rosa. Manual de avaliação motora. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002;
OLIVEIRA, Gislene de Campos. Psicomotricidade: Educação e Reeducação num enfoque Psicopedagógico. 5ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2001;
ROGERS RL, After reaching retirement age physical activity sustains cerebral perfusion and cognition 1990; 38: 123-8;
TOJAL, João Batista. Motricidade Humana: O paradigma emergente. Campinas, SP: editora UNICAMP, 1994.
VAN PRAGG, H, Enhances neurogenesis, learning and long-term potentiation in mice. Proc Natl Acad Sci USA 1999;96:13427-31;
VECCHIATO, Mauro. Psicomotricidade relacional e Terapia. Porto Alegre: Artes médicas,1986;
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(1) Fisioterapeuta - IBMR; Mestre em Motricidade Humana - UCB/Capes; Professor Mestre Adjunto I da UNIGRANRIO; Doutor em Filosofia da Religião - SETESA/Não Capes; Formação em Psicanálise Clínica - SFPC; Formação em Psicomotricidade Sistêmica - CEC; Formador-Didata em Terapia Psicomotora Analítico-Clínica - TEPAC do CEBRASC; Especialista em Educação - IBMR; Bacharel em Filosofia - SETESA; Bacharel em Teologia - SETESA; Bispo Primaz do Catolicismo Apostólico Salomonita (1902-2010).
(2) Bacharelandos de Fisioterapia da UNIGRANRIO que se envolveram como voluntários na execução das atividades terapêuticas e na apresentação dos resultados em eventos científicos.





sábado, 1 de setembro de 2012

O INCONCIENTE NA MOTRICIDADE HUMANA


Felismar Manoel – 1
Rosa Maria Prista – 2



A motricidade humana enquanto ciência do homem fundamenta diferentes fazeres dos que assistem ao ser humano nos seus respectivos projetos do estar-no-mundo para realizar alguma coisa. Entre esses assistentes, muitos são terapeutas, para os quais não há como olvidar as intercorrências do inconsciente presente no desenvovimento dos projetos de vida de seus clientes manifestados por meio da motricidade.
Já bem afirmou Manuel Sérgio (1994), “ que a motricidade humana se resolve em um projeto e movimenta-se desde a consciência de um ser carenciado, até a função estrutural e estruturante, de quem surprende o pormenor na estrutura, a estrutura no pormenor e o presente de onde surge o futuro. E por ser projeto, o ser humano prova que não é só razão, mas também imaginação, inconsciência e pré-consciência, tudo reunido em um eu singular e unificante.”
É, portanto, um eu singular, que nos tornou a cada um de nós, nos especialistas que somos, realizando na motricidade o nosso projeto de vida. É um eu singular que recorre aos nossos serviços nas escolas, academias, consultórios, clínicas,, quadras desportivas, ou qualquer dos espaços que oferecemos para a convivência empática, ou vincular. Todos esses trazem em suas bagagens as memórias filogenéticas e ontogenéticas, elaboradas em suas respectivas histórias de vida, imbricadas com seus potenciais genéticos, influências socioculturais e ambientais. Pois é de suas corporeidades detentoras dessas memórias que surgem as motricidades intencionalizadas, como projetos rumo à transcendência, para suprir suas carências do mundo da cultura, mundo este que é por eles construído, mas que também o influencia, o modifica, através das próprias motricidades. Neste contexto a motricidade humana é uma ponte entre a corporeidade do sujeito e o mundo da cultura, pois que é por ela que ele efetivamente se mostra no mundo e na cultura, com a sua identidade singular e é enriquecida essa identidade com os aspectos que lhe despertar pertinências, do mundo e da cultura. Aí o ser se faz epifania pela própria corporeidade enriquecida enquanto subjetividade.
Manuel Sérgio (1994), comentando Merleau Ponty, afirma que...”para ele a lógica do ser tem muito de pré-racional, por isso que enraiza também no inconsciente. Há tendências instintivas dentro de cada um de nós, que entram em conflito com o ego e o superego, dada a sua intensidade explosiva. A resistência à satisfação dos desejos pode produzir o recalcamento e surgir então o desequilibrio da pessoa. Por isso, Paul Chauchard afirmava que diante da pessoa que sofre, não basta ser um técnico. É preciso descer, por assim dizer, aos abismos do homem donde irrompem forças,à razão lógica indisciplinadas e truculentas. A verdade, porém, é que o homem vive e morre, sob sua ação. Talvez seja por este motivo que somos naturalmente insatisfeitos. As nossas próprias limitações, despojando-nos de presunçosa suficiência, levam-nos, sem desânimo nem jaça, para além do que somos, em direção ao que está de acordo com as nossas secretas medidas (des-medidas) interiores.”
Também António Damásio (2000), comentando uma experiência realizada em seu laboratório, em colaboração com Antoine Bechara e Hanna Damásio, diz que, "talvez seja o exemplo mais decisivo do processamento inconsciente obtido em suas pesquisas, um trabalho que se baseia em uma tarefa que requer tomada de decisão, e revela que várias decisões que exigem conhecimentos relevantes e lógica são facilitados por uma influência inconsciente, que ocorre antes que o conhecimento e a lógica desempenem seus papéis". Revela que as emoções tem um papel importante no desencadeamento dos sinais inconscientes.
Ainda William D. McArdle (1992), em seu livro texto de Fisiologia do Exercicio, discorreu sobre fatores psicológicos e neurais que modificam a expessão da força humana em treinamento de resistência, nos diferentes movimentos voluntários, e agora sem referir-se a patologias, verificados em condições experimentais de laboratório, e afirma que, foi a hipnose, considerada uma das mais "mentais" das atividades, a que maior resultado ofereceu facilitando o tratamento experimental.
No livro Neurociência da Mente e do Comportamento, coordenado por Roberto Lent, Vargas, Rodrigues e Fontana (2008), escrevendo sobre o controle motor, afirmam que a motivação é crucial para a formação de novos comportamentos motores, bem como, para a manutenção dos comportamentos já estabelecidos.
Gazzaniga e Heartherton (2005), escrevendo como a motivação ativa, dirige e sustenta a ação, afirmam que as teorias da motivação enfatizam que os estados motivacionais são energizantes no sentido de que ativam ou estimulam os comportamentos: "são diretivas no sentido de que orientam os comportamentos para satisfazer objetivos ou necessidades especificas; ajudam as pessoas em seu comportamento até que os objetivos sejam atingidos ou as necessidades sejam satisfeitas"; a maioria das teorias concorda que os motivos diferem em sua força, dependendo de fatores intrínsecos e extrínsecos. Sem aprofundar em seus mecanismos, pode-se afirmar que os instintos, necessidades, os impulsos e as recompensas motivam o comportamento, e não sendo diferente com os comportamentos motores, que compõem a motricidade humana.
Para os autores, que militamos nossas práticas profissionais junto a pessoas portadoras de disfunções psicomotoras, deficiências cinéticas, distúrbios cognitivos e ou diferentes desajustamentos familiares e ou sociais, é imperioso considerar o inconsciente, o instintivo e pulsional a interferir nas condutas cinéticas funcionais, quando das manifestações das motricidades dos clientes, enquanto projetos de vida que são.
J.D. Nasio (1999), um estudioso das obras de Freud, apresenta a dinâmica do funcionamento psíquico do ponto de vista freudiano, semelhante a um arco reflexo já bem conhecido dos profissionais de saúde, com seus esquemas de quatro tempos, onde primeiro surge o movimento contínuo da energia instintiva pulsional em direção ao prazer absoluto; segundo , a barra do recalcamento se opõe a movimentação da energia, impedindo a sua passagem total; terceiro, a energia que não transpõe a barra do recalcamento e dá inicio a uma nova excitação; quarto, a energia que transpõe a barra do recalcamento e se exterioriza sob a forma de prazer parcial inerente às formações do inconsciente. Estas formações podem ser atos involuntários, manifestações neuróticas, relações afetivas com uma pessoa, ou com coisas, consigo mesmo, transferidas para seu analista, terapeuta, professor, treinador, ou qualquer outro assistente.
Assim, percebe-se, que não há como negar, ou ignorar, a presença do inconsciente humano agindo ou interferindo nos comportamentos motores voluntários e também nas condutas psicomotoras, sempre presentes nos diferentes "projetos de vidas" e "praxias profissionais", que através das corporeidades dos sujeitos os manifestam no mundo das culturas modificadoras e construtoras do mundo atual, e que também os modificam internalizando-as intra-organicamente através da motricidade humana intencionalizada.

Referências Bibliográficas

Damásio, António R., O Mistério da Consciência, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Gazzaniga, Michael S. e Heartherton, Todd F., Ciência Psicológica, Porto Alegre: Artmed, 2005.

McArdle, William D., Katch, Frank I. e Katch, Victor L. , Fisiologia do Exercicio, 3ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,1992.

Manuel Sérgio, Para uma Epistemologia da Motricidade Humana, 2ª edição, Lisboa: Compendium e Manuel Sérgio,1994.

Nasio, J. D.< O Prazer de Ler Freud, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1999.

Vargas, Claudia D. Rodrigues, Erika Carvalho e Fontana, Ana Paula, in Neurociência da Mente e do Comportamento, Coordenado por Roberto Lente, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.

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(1) Fisioterapeuta - IBMR; Mestre em Motricidade Humana - UCB/Capes; Professor Mestre Adjunto I da UNIGRANRIO; Doutor em Filosofia da Religião - SETESA/Não Capes; Formação em Psicanálise Clínica - SFPC; Formação em Psicomotricidade Sistêmica - CEC; Formador-Didata em Terapia Psicomotora Analítico-Clínica - TEPAC do CEBRASC; Especialista em Educação - IBMR; Bacharel em Filosofia - SETESA; Bacharel em Teologia - SETESA; Bispo Primaz do Catolicismo Apostólico Salomonita (1902-2010).
(2) Graduação em Psicologia (UGF - 1981), Psicóloga ( UGF-1982), Psicomotricidade (UNESA- 1986), Formação em Psicomotricidade ( Instituto Alfred Binet, Paris -1990), Mestrado em Psicologia ( UGF -1990) Doutorado em Psicologia e Qualidade de Vida ( AWU - 2004) Diretora científica do CEC / RJ Professor universitário da SEFLU . Professor da UCB . Membro titular da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade. Membro efetivo da Rede Internacional de Pesquisadores em Motricidade Humana.