sábado, 1 de setembro de 2012

O INCONCIENTE NA MOTRICIDADE HUMANA


Felismar Manoel – 1
Rosa Maria Prista – 2



A motricidade humana enquanto ciência do homem fundamenta diferentes fazeres dos que assistem ao ser humano nos seus respectivos projetos do estar-no-mundo para realizar alguma coisa. Entre esses assistentes, muitos são terapeutas, para os quais não há como olvidar as intercorrências do inconsciente presente no desenvovimento dos projetos de vida de seus clientes manifestados por meio da motricidade.
Já bem afirmou Manuel Sérgio (1994), “ que a motricidade humana se resolve em um projeto e movimenta-se desde a consciência de um ser carenciado, até a função estrutural e estruturante, de quem surprende o pormenor na estrutura, a estrutura no pormenor e o presente de onde surge o futuro. E por ser projeto, o ser humano prova que não é só razão, mas também imaginação, inconsciência e pré-consciência, tudo reunido em um eu singular e unificante.”
É, portanto, um eu singular, que nos tornou a cada um de nós, nos especialistas que somos, realizando na motricidade o nosso projeto de vida. É um eu singular que recorre aos nossos serviços nas escolas, academias, consultórios, clínicas,, quadras desportivas, ou qualquer dos espaços que oferecemos para a convivência empática, ou vincular. Todos esses trazem em suas bagagens as memórias filogenéticas e ontogenéticas, elaboradas em suas respectivas histórias de vida, imbricadas com seus potenciais genéticos, influências socioculturais e ambientais. Pois é de suas corporeidades detentoras dessas memórias que surgem as motricidades intencionalizadas, como projetos rumo à transcendência, para suprir suas carências do mundo da cultura, mundo este que é por eles construído, mas que também o influencia, o modifica, através das próprias motricidades. Neste contexto a motricidade humana é uma ponte entre a corporeidade do sujeito e o mundo da cultura, pois que é por ela que ele efetivamente se mostra no mundo e na cultura, com a sua identidade singular e é enriquecida essa identidade com os aspectos que lhe despertar pertinências, do mundo e da cultura. Aí o ser se faz epifania pela própria corporeidade enriquecida enquanto subjetividade.
Manuel Sérgio (1994), comentando Merleau Ponty, afirma que...”para ele a lógica do ser tem muito de pré-racional, por isso que enraiza também no inconsciente. Há tendências instintivas dentro de cada um de nós, que entram em conflito com o ego e o superego, dada a sua intensidade explosiva. A resistência à satisfação dos desejos pode produzir o recalcamento e surgir então o desequilibrio da pessoa. Por isso, Paul Chauchard afirmava que diante da pessoa que sofre, não basta ser um técnico. É preciso descer, por assim dizer, aos abismos do homem donde irrompem forças,à razão lógica indisciplinadas e truculentas. A verdade, porém, é que o homem vive e morre, sob sua ação. Talvez seja por este motivo que somos naturalmente insatisfeitos. As nossas próprias limitações, despojando-nos de presunçosa suficiência, levam-nos, sem desânimo nem jaça, para além do que somos, em direção ao que está de acordo com as nossas secretas medidas (des-medidas) interiores.”
Também António Damásio (2000), comentando uma experiência realizada em seu laboratório, em colaboração com Antoine Bechara e Hanna Damásio, diz que, "talvez seja o exemplo mais decisivo do processamento inconsciente obtido em suas pesquisas, um trabalho que se baseia em uma tarefa que requer tomada de decisão, e revela que várias decisões que exigem conhecimentos relevantes e lógica são facilitados por uma influência inconsciente, que ocorre antes que o conhecimento e a lógica desempenem seus papéis". Revela que as emoções tem um papel importante no desencadeamento dos sinais inconscientes.
Ainda William D. McArdle (1992), em seu livro texto de Fisiologia do Exercicio, discorreu sobre fatores psicológicos e neurais que modificam a expessão da força humana em treinamento de resistência, nos diferentes movimentos voluntários, e agora sem referir-se a patologias, verificados em condições experimentais de laboratório, e afirma que, foi a hipnose, considerada uma das mais "mentais" das atividades, a que maior resultado ofereceu facilitando o tratamento experimental.
No livro Neurociência da Mente e do Comportamento, coordenado por Roberto Lent, Vargas, Rodrigues e Fontana (2008), escrevendo sobre o controle motor, afirmam que a motivação é crucial para a formação de novos comportamentos motores, bem como, para a manutenção dos comportamentos já estabelecidos.
Gazzaniga e Heartherton (2005), escrevendo como a motivação ativa, dirige e sustenta a ação, afirmam que as teorias da motivação enfatizam que os estados motivacionais são energizantes no sentido de que ativam ou estimulam os comportamentos: "são diretivas no sentido de que orientam os comportamentos para satisfazer objetivos ou necessidades especificas; ajudam as pessoas em seu comportamento até que os objetivos sejam atingidos ou as necessidades sejam satisfeitas"; a maioria das teorias concorda que os motivos diferem em sua força, dependendo de fatores intrínsecos e extrínsecos. Sem aprofundar em seus mecanismos, pode-se afirmar que os instintos, necessidades, os impulsos e as recompensas motivam o comportamento, e não sendo diferente com os comportamentos motores, que compõem a motricidade humana.
Para os autores, que militamos nossas práticas profissionais junto a pessoas portadoras de disfunções psicomotoras, deficiências cinéticas, distúrbios cognitivos e ou diferentes desajustamentos familiares e ou sociais, é imperioso considerar o inconsciente, o instintivo e pulsional a interferir nas condutas cinéticas funcionais, quando das manifestações das motricidades dos clientes, enquanto projetos de vida que são.
J.D. Nasio (1999), um estudioso das obras de Freud, apresenta a dinâmica do funcionamento psíquico do ponto de vista freudiano, semelhante a um arco reflexo já bem conhecido dos profissionais de saúde, com seus esquemas de quatro tempos, onde primeiro surge o movimento contínuo da energia instintiva pulsional em direção ao prazer absoluto; segundo , a barra do recalcamento se opõe a movimentação da energia, impedindo a sua passagem total; terceiro, a energia que não transpõe a barra do recalcamento e dá inicio a uma nova excitação; quarto, a energia que transpõe a barra do recalcamento e se exterioriza sob a forma de prazer parcial inerente às formações do inconsciente. Estas formações podem ser atos involuntários, manifestações neuróticas, relações afetivas com uma pessoa, ou com coisas, consigo mesmo, transferidas para seu analista, terapeuta, professor, treinador, ou qualquer outro assistente.
Assim, percebe-se, que não há como negar, ou ignorar, a presença do inconsciente humano agindo ou interferindo nos comportamentos motores voluntários e também nas condutas psicomotoras, sempre presentes nos diferentes "projetos de vidas" e "praxias profissionais", que através das corporeidades dos sujeitos os manifestam no mundo das culturas modificadoras e construtoras do mundo atual, e que também os modificam internalizando-as intra-organicamente através da motricidade humana intencionalizada.

Referências Bibliográficas

Damásio, António R., O Mistério da Consciência, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Gazzaniga, Michael S. e Heartherton, Todd F., Ciência Psicológica, Porto Alegre: Artmed, 2005.

McArdle, William D., Katch, Frank I. e Katch, Victor L. , Fisiologia do Exercicio, 3ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,1992.

Manuel Sérgio, Para uma Epistemologia da Motricidade Humana, 2ª edição, Lisboa: Compendium e Manuel Sérgio,1994.

Nasio, J. D.< O Prazer de Ler Freud, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1999.

Vargas, Claudia D. Rodrigues, Erika Carvalho e Fontana, Ana Paula, in Neurociência da Mente e do Comportamento, Coordenado por Roberto Lente, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.

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(1) Fisioterapeuta - IBMR; Mestre em Motricidade Humana - UCB/Capes; Professor Mestre Adjunto I da UNIGRANRIO; Doutor em Filosofia da Religião - SETESA/Não Capes; Formação em Psicanálise Clínica - SFPC; Formação em Psicomotricidade Sistêmica - CEC; Formador-Didata em Terapia Psicomotora Analítico-Clínica - TEPAC do CEBRASC; Especialista em Educação - IBMR; Bacharel em Filosofia - SETESA; Bacharel em Teologia - SETESA; Bispo Primaz do Catolicismo Apostólico Salomonita (1902-2010).
(2) Graduação em Psicologia (UGF - 1981), Psicóloga ( UGF-1982), Psicomotricidade (UNESA- 1986), Formação em Psicomotricidade ( Instituto Alfred Binet, Paris -1990), Mestrado em Psicologia ( UGF -1990) Doutorado em Psicologia e Qualidade de Vida ( AWU - 2004) Diretora científica do CEC / RJ Professor universitário da SEFLU . Professor da UCB . Membro titular da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade. Membro efetivo da Rede Internacional de Pesquisadores em Motricidade Humana.






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