quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Tambor Pury / Pury Borára

 

Dança da Integração / Natenã íuã Kondonimí

Felismar Manoel / Nhãmãrrúre Stxutér



Quando falamos do povo pury da região de Guiricema (de cerca de 1750 a 1957), estamos nos referindo ao povo pury que situava nas margens do Rio Bagres, à esquerda, indo até o alto da serra de Tuiutinga e daí até a aldeia do sapé, em Guidoval. Existiram organizações em aldeias na Fazenda dos Gregórios, nas proximidades do Povoado Cruzeiro dos Gregórios, na localidade do Valão ao pé da serra, nas Marianas do alto da serra e a do sapé, como já citei, na localidade de Guidoval. Havia uma preocupação do povo pury em se integrar com a população da vizinhança, para o que montaram estratégias sanderí / festeira, muito do gosto das famílias sãbonã, mas aderindo muito também os nirondê / andarílhos, das famílias xamixúma através das danças corporais da aproximidade / natenã íuã kondonimí, envolvendo livremente os participantes com a saudação uérráka, o conceito de abraço pury, e aproveitando o tempo de duração das festas para conversas, consultas aos ancestrais, bem como as famosas benzeduras pelos mais velhos e parteiras das aldeias e comunidades. Tudo era regido por cantorias e danças aos toques dos famosos tambores pury / purima môborára.


Os participantes se aproximavam em busca de integração entre vizinhos, usando a prática do abraço pury, a uérráka, colocando ambas as mão um no outro, nos ombros, e tocavam a testa de um no outro (por causa dos episódios de gripes deixaram de fazer o roçado dos narizes), podendo participar do evento festivo, cantando, dançando, conversando, consultando, buscando benzeduras, entre outras. A dança kondonimí mais utilizada era a bundána, podendo haver dançarina / bosébundána e dançarino / kosébundana, via de regra usavam as tangas pury, a atupá (feminina) e a iapá (masculina), sendo a feminina geralmente adornadas com flores, em especial as flores do cipó de São João, mas poderiam ser outras flores. As dançarinas com ambas as mãos abria a amplitude da tanga mostrando as flores para seu par, enquanto o dançarino abria seus braços ao nível do peito demonstrando proteger a dançarina. Enquanto isto, outras pessoas comiam quitutes naturais, conversavam, se consultavam e buscavam as bençãos das parteiras e dos mais velhos. Muita saudade traz essas lembranças. Não sei se algumas das nossas regiões das Minas Gerais ainda praticam essas danças integrativas consolidando laços de camaradagem e boa vizinhança / Natenã íuã Kondonimí.


Uma homenagem a tio Xico Mariano Pury e tia Pina Pury, casal nirondê mas grandes parceiros sanderí. Homenagem também a tio Juka Pury de nossa família uãbóri, fiel compositor de cantorias para as nossas festas dos tambores pury. - 31/10/2024


Ksapernhê tinxú!

Felismar Manoel / Nhãmãrrúre Stxutér


quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Dia Mundial da Alimentação…

 

Trago hoje uma memória sofrida do meu povo pury das Regiões de Guiricema - Ainda no século XVIII, os pury meus familiares desceram da Serra da Mantiqueira seguindo as nascentes de águas ali surgidas e foram habitar as margens dos rios, ribeirões e córregos, onde plantavam e semeavam nos espaços sem árvores, às margens das florestas ou nos clarões desarborizados das matas, vivendo em áreas diversas e principalmente nas margens do Rio Bagres, morando da sua margem esquerda até o alto da Serra de Tuiutinga e dai até Muriaé e Guidoval pelo alto das montanhas.

Nos inícios do século XIX tiveram suas terras invadidas por pessoas que se diziam proprietárias das terras, cujos títulos de propriedades nunca viram, mas se firmaram na localidade do primeiro distrito onde se formou sede, na localidade de Cruzeiro (aí uns tais Gregórios), na localidade do Valão (os tais Soares Souza Lima) e em outras áreas próximas outros assumiram, ficando nosso povo sem local próprio para viver, nem mais para onde fugir.

Nas décadas finais do século XIX tais terras foram vendidas em parte para o Povo italiano, que em grande parte plantaram novas matas de cafezais, pois era este o entendimento do povo pury, ficando eles sem nenhum local para plantar os produtos de sua subsistência, restando-lhes os brejas não cultivados por italianos, em cujas margens os pury plantavam arroz, inhame rosa e araruta, que infelizmente se perdia o arrozal quando surgiam as enchentes. Houve um período que adoeceu quase todos os pury da região, para o que a medicina da época reconheceu que era consequência de longo período se alimentando apenas de araruta e inhame, pois estes, quando surgiam as enchentes, destruía-se seus ramos e folhas, mas as raízes permaneciam no solo pantanoso, permitindo serem colhidos e comidos por todos eles, sendo os únicos alimentos que podiam cultivar e colher para sobreviverem.

É doloroso para mim lembrar disto ainda hoje, aos meus 86 anos a completar, mas é necessário levantar a minha voz, para que outros saibam as penúrias e agruras que foram nossos dias de fome, silenciamento, apagamento e miscigenação dirigida através de estratégias e táticas para nossa extinção.

Infelizmente, nunca surgiu alguém interessado em conhecer nossas angústias e registrar os sofrimentos a que estivemos submetidos enquanto existência étnica, de cuja etnia pury se tentou retirar até a dignidade e o caráter purinã, nos desterritorializando e nos deixando à míngua enquanto sobreviventes humanos que somos. Graças a Nhãnhãdú/Dokóra que realmente aprendemos a sobreviver, podendo chegar até aqui e levantar a minha voz: Socorro!!!

Neste dia mundial da alimentação, atentem para a justiça, a empatia, a alteridade, e não continuem a negar aos Povos da Terra o seus direitos de existência e determinação.

Viva o Povo Pury de Guiricema e adjacências!
Que nossos ancestrais gritem comigo: ... Socorro!!!

Muitos ainda sofrem, e talvez morram, em consequência dos ouvidos moucos de quem recebeu a tarefa de governar.

* Felismar Manoel / Nhãmãrrúre Stxutér

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Salve o Mastro Pury de Tupã! Salve a Cruz de Jesus Cristo!

 

Salve a União dos Povos na Tekuára Sú, na qual e pela qual lutaram os Pury de outrora e lutam ainda os Pury da atualidade!


Havia uma fraternal comunhão e convivência solidária entre a descendência pury e a descendência italiana, nos dias de minha infância e juventude nas terras de Guiricema; havia certo festejo mútuo nos dias 14 de setembro de cada ano, pois os pury comemoravam Tupã (aste vertical da cruz) e os italobrasileiros comemoravam o Cristo Salvador, o Tupéa Malaléka para os pury (aste horizontal da cruz), no seu Grande Abraço da humanidade toda, e de todos os seres viventes. Nesses dias todas as cruzes plantadas nas beiradas das estradas, nas margens dos terreiros das casas, ou penduradas nas suas paredes externas pelas famílias das redondezas, eram enfeitadas (a cargo dos pury) com flores de papel de seda, sendo o mastro vertical em uma cor mais viva e o braço horizontal em tons mais claros, com cores alternadas, em memória ao abraço universal de Tupéa Malaléka, o acolhedor de todos.


Viva o Bem Viver na União de Todos os viventes na Tekuára Sú!