Trago
hoje uma memória sofrida do meu povo pury das Regiões de Guiricema
- Ainda no século XVIII, os pury meus familiares desceram da Serra
da Mantiqueira seguindo as nascentes de águas ali surgidas e foram
habitar as margens dos rios, ribeirões e córregos, onde plantavam e
semeavam nos espaços sem árvores, às margens das florestas ou nos
clarões desarborizados das matas, vivendo em áreas diversas e
principalmente nas margens do Rio Bagres, morando da sua margem
esquerda até o alto da Serra de Tuiutinga e dai até Muriaé e
Guidoval pelo alto das montanhas.
Nos
inícios do século XIX tiveram suas terras invadidas por pessoas que
se diziam proprietárias das terras, cujos títulos de propriedades
nunca viram, mas se firmaram na localidade do primeiro distrito onde
se formou sede, na localidade de Cruzeiro (aí uns tais Gregórios),
na localidade do Valão (os tais Soares Souza Lima) e em outras áreas
próximas outros assumiram, ficando nosso povo sem local próprio
para viver, nem mais para onde fugir.
Nas
décadas finais do século XIX tais terras foram vendidas em parte
para o Povo italiano, que em grande parte plantaram novas matas de
cafezais, pois era este o entendimento do povo pury, ficando eles sem
nenhum local para plantar os produtos de sua subsistência,
restando-lhes os brejas não cultivados por italianos, em cujas
margens os pury plantavam arroz, inhame rosa e araruta, que
infelizmente se perdia o arrozal quando surgiam as enchentes. Houve
um período que adoeceu quase todos os pury da região, para o que a
medicina da época reconheceu que era consequência de longo período
se alimentando apenas de araruta e inhame, pois estes, quando surgiam
as enchentes, destruía-se seus ramos e folhas, mas as raízes
permaneciam no solo pantanoso, permitindo serem colhidos e comidos
por todos eles, sendo os únicos alimentos que podiam cultivar e
colher para sobreviverem.
É
doloroso para mim lembrar disto ainda hoje, aos meus 86 anos a
completar, mas é necessário levantar a minha voz, para que outros
saibam as penúrias e agruras que foram nossos dias de fome,
silenciamento, apagamento e miscigenação dirigida através de
estratégias e táticas para nossa extinção.
Infelizmente,
nunca surgiu alguém interessado em conhecer nossas angústias e
registrar os sofrimentos a que estivemos submetidos enquanto
existência étnica, de cuja etnia pury se tentou retirar até a
dignidade e o caráter purinã, nos desterritorializando e nos
deixando à míngua enquanto sobreviventes humanos que somos. Graças
a Nhãnhãdú/Dokóra que realmente aprendemos a sobreviver, podendo
chegar até aqui e levantar a minha voz: Socorro!!!
Neste
dia mundial da alimentação, atentem para a justiça, a empatia, a
alteridade, e não continuem a negar aos Povos da Terra o seus
direitos de existência e determinação.
Viva
o Povo Pury de Guiricema e adjacências!
Que
nossos ancestrais gritem comigo: ... Socorro!!!
Muitos
ainda sofrem, e talvez morram, em consequência dos ouvidos moucos de
quem recebeu a tarefa de governar.
* Felismar Manoel / Nhãmãrrúre Stxutér
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