sábado, 4 de janeiro de 2014

Meditação e Saúde

Prof. Dr. Felismar Manoel (1)



Introdução


Infelizmente, no Brasil urbano mais que no Brasil rural, a meditação é vista sob um olhar preconceituoso, ou como coisa de pessoas extravagantes, párias, "matusquelas", tipos "estranhos no ninho"; e isto é uma pena, pois a meditação exerce ação fisiológica altamente significativa à saúde das pessoas.

Tenho convivência com a meditação indígena desde minha infância, junto aos nativos puris de terceira e quarta geração, já acostumados com a cultura dos colonizadores, mas que tiveram o cuidado de não abandonarem aquilo que lhes constituía um patrimônio próprio, nas regiões da zona da mata mineira, mais precisamente nas cercanias de Cruzeiro, no Município de Guiricema.

No ambiente do Catolicismo de Roma aprendi a meditação em temas religiosos e percebi que também esta modalidade produz os mesmos efeitos fisiológicos; quando me transferí para o Catolicismo Salomonita aprendi a meditação como método de obtenção da sinesis, para aprofundamento em questões de espiritualidade, tanto a nível individual, quanto grupal.

Foi nas comunidades esotéricas, tanto ocidentais quanto orientais, que aprendi de modo mais estruturado a meditação, e nestes ambientes, como forma de promoção e tratamento da saúde, visando a vida em plenitude; não a plenitude da eubiótica (dinâmica da vida perfeita idealizada), mas a plenitude da calibiótica (dinâmica da vida de boa qualidade que está ao nosso alcance). O treinamento do Qi Gong Taoista, na esfera da medicina chinesa, trouxe muito enriquecimento na minha prática da meditação.

Neste ensaio, não pretendo um recorte acadêmico rigoroso, que agrade aos paladinos do cartesianismo, pretendo apenas expor, para os leitores de boa vontade a simplicidade da prática da meditação diária, mostrando em linguagem simples os benefícios que ela nos traz.

A Meditação na Cultura Indígena


Sou herdeiro da cultura indígena puri de terceira geração, que convivia, compartilhava e servia aos fazendeiros italianos, e portanto, mesclada de valores dos colonizadores e circunstâncias do meio ambiente. Meus bisavós eram, Indira Puri, das margens do rio pombo, casada com Tongo Mina, africano que vivia naquela região mineira; deles surgiu em primeira geração a minha avó Maria Graciana, que casou com Juaquim Soares de Souza Lima, um português de Coimbra; desse casamento surgiu, na segunda geração, a minha mãe Maria Soares que casou com Felício Manoel Julinho, descendente de família italiana; dessa união matrimonial surgiu a terceira geração, na qual eu me incluo entre mais quatorze irmãos.

Nasci e cresci no meio rural em contato com os povos nativos da região, sendo todos vulgarmente chamados de puri, em consequência de ser a região de ocupação dos índios com esse nome. Desde criança, ao contrario de meus irmãos, tive interesse pela tradição cultural dos povos, o que me fez aproximar da vida clerical com a Igreja de Roma, único meio de expressão cultural formativo na região. Infelizmente discordei das orientações de Roma e me transferi para o Catolicismo Salomonita, onde consolidei minha formação, mais compatível com os ensinamentos dos evangelhos de Jesus de Nazaré, para mim a bússola segura para um mundo melhor e uma espiritualidade perfeita.

Foi no ambiente da cultura puri que aprendi a meditar desde criança. A meditação indígena utiliza-se como primeiro método para a meditação, o emprego dos sons de tambores e de flautas de taquaras, acompanhados da emissão de palavras sagradas; o seu objetivo é a expansão da consciência para a percepção de circunstâncias especiais que necessitam de orientações também especiais. Este estado de consciência expandida permite uma expressiva sensação de paz, de alargamento da compreensão e de bem estar geral.

Os povos puris utilizam também de outras técnicas para a prática da meditação, como a do fogo sagrado, as das fontes das águas, do inebriar dos vegetais e da própria revolução do tempo nas tempestades; entretanto, estes são detalhes que não nos interessa expor aqui.

Diferentes universidades e grupos culturais se voltam para o estudo e a prática desta herança indígena da meditação. Na USP existe um movimento na Escola de Saúde Pública, através de um antropólogo psicanalista, que está associando a prática da meditação com a promoção da saúde e a prevenção de enfermidades; existe também em São Paulo o Grupo da Plena Atenção usando as técnicas de meditação inspirada na cultura indígena; também em Amazonas movimento semelhante tem acontecido; na Austrália, uma faculdade criou o Centro Cultural Indígena e de Meditação, no qual está aliando a meditação a uma formação de cultura ecológica.

A meditação usada na cultura indígena é parte de seu patrimônio de recursos técnicos culturais para resolver problemas de ordem prática na comunidade, tratamento de desequilíbrios e promoção do bem estar da população.


A Meditação nos Ambientes Esotéricos


Existe algum preconceito social e religioso por parte das massas urbanas, com relação ao conceito de esotérico; e é uma pena, pois se trata de um afastamento por questões de ignorância do que seja o esoterismo.

Quando se fala em esoterismo, está se referindo a um sistema de semiótica na área da comunicação. Um bom exemplo desse sistema, é o conjunto de sinais que se usa no trânsito para orientar os condutores de veículos; estes devem saber que atitude tomar naqueles espaços onde está o indicativo do sinal de trânsito. Trata-se de um sistema esotérico, pois só os que conhecem aquela mensagem da placa de trânsito, sabem interpretar qual a conduta que se cobra do condutor de veículos para aquela área demarcada. No sistema esotérico utiliza-se também o exotérico, entendendo-se com esta palavra, tudo aquilo que é dito e que está no nível de compreensão de todos presentes, a nível de massa cultural.

Os mosteiros, escolas, centros e também os templos esotéricos, utilizam um processo semelhante ao dos condutores de veículos automotores, para transmitir os ensinamentos esotéricos, aqueles conteúdos que exigem um nível de cognição mais abstrata e simbólica.

Estes espaços se dedicam a preparar pessoas de boa vontade, que querem se dedicar a construir um mundo mais compreensivo e capaz de ajudar a manifestação e fluxo da vida, em paz, em fraternidade, em cidadania, em solidariedade. Estes espaços são formados cultural e tecnicamente, nas áreas da saúde, da educação, da espiritualidade, da convivência, da filosofia, da religião, e é um sistema que está aberto a qualquer grupo humano. Trata-se de um sistema que vai treinar pessoas e capacitá-las para levar os seus préstimos e ação colaborativa sempre que elas se fizerem necessários, sem se importar se o ser assistido compreende intrinsecamente o que ele está fazendo. Por isso vale-se de sinais, figuras, símbolos, monumentos, anagramas, ou quaisquer outros recursos de semiótica, que ao ser visto por quem foi treinado, vai saber como se comportar, ou o que fazer naquelas circunstâncias surgidas, para gerar um bem geral, ou maior.

Na grande maioria das vezes, o treinamento para se obter uma atitude de paz, de tranquilidade, de vida plena, começa com o ato da imaginação, fortalecido pela reta intenção e desejo de fazer o bem, que irá gerar o estado de bem que se procura. O sistema esotérico é interessante, porque cada pessoa que o aprende e apreende, vai usá-lo de acordo com o seu arsenal potencial, podendo, portanto se adequar a qualquer pessoa capacitada, bastando inicialmente ter boa vontade e uma vida virtuosa, podendo ser aplicado em qualquer circunstância.

Infelizmente, nos dias de hoje, a meditação está virando mais uma mercadoria em nossa sociedade neoliberal consumista. Existem pessoas que transformam as instruções em "pacotes de informações" para venda, sem se importar com o acompanhamento e assistência, para que o seu exercício seja ético, dirigido por um aceitável padrão de vida comportamental, cidadania e moralidade. A comercialização faz correr o risco da perda de garantia destas qualidades. Fiquem vigilantes.


Fundamentos Científicos da Meditação


Os avanços das neurociências na época atual, tem permitido alargar o nosso conhecimento sobre o cérebro e as atividades cerebrais. Sabemos que as atividades do cérebro emitem ondas que podem ser medidas, e geralmente essas medições orientam intervenções profissionais, tanto na saúde quanto na educação.

Normalmente se considera quatro tipos de ondas, pela ordem das atividades, se classificando como segue:

* A onda beta: com frequência de 14 a 30 ciclos por segundo, é aquela das nossas atividades de pensamento conceitual, do nosso dia a dia;

* A onda alfa : com frequência de 08 a 13 ciclos por segundo, é aquela do relaxamento profundo, em alerta, com mente e pensamento esvaziado ao máximo possível;

* A onda theta : com frequência de 04 a 07 ciclos por segundo, é aquela do sono com sonhos (com movimento dos olhos);

* A onda delta : com frequência de 0,5 a 03 ciclos por segundo, é aquela do sono profundo sem sonhos (sem movimento dos olhos).

A prática da meditação no interesse da saúde , bem estar e qualidade de vida, se situa no nível da onda alfa, sendo em torno dela que vou fazer algumas reflexões.

Hemisférios Cerebrais Especializados

Inicialmente vamos desfazer uma confusão frequente nos ambientes de saúde e educação, no que consiste às ideias de "dominância hemisférica" e "lateralidade funcional corporal".

O neocórtex, quer dizer o cérebro dos primatas humanos é dividido em duas metades bastante parecidas denominadas de "hemisférios", e de um modo bem generalizado, se considera que o hemisfério dominante é aquele que controla a linguagem humana. Sabe-se que a maioria das pessoas tem o controle da linguagem fonética no hemisfério esquerdo.

A situação não é tão simples, pois sabe-se que a fala humana é acompanhada das inflexões, que comportam aspectos emocionais, afetivos, racionais, entre outros. Na prática, observa-se pessoas com certas características comportamentais que as distinguem de outras, como tendência para as ciências logico-matemáticas, enquanto outras se distinguem por uma tendência mais aberta às coisas do universo como um todo, por uma característica mais panorâmica da vida. Quando se observa estas distinções, está se cogitando de hemisfério dominante; aqui neste ensaio não interessa ter domínio desse assunto, precisa-se saber apenas que qualquer um de nós tem um hemisfério cerebral dominante.

Com relação a lateralidade funcional corporal, que muito se confunde com hemisfericidade dominante, refere-se ao predomínio de iniciativas e controle de execução de atividades corporais, que se iniciam pelo lado direito, ou pelo lado esquerdo, em qualquer um de nós. Estes estudos são aprofundados em psiconeuromiocinética, ou psicomotricidade.

Para nosso raciocínio sobre a meditação, precisamos saber que, qualquer um de nós sempre teremos nossas ações iniciadas predominantemente sob o comando de um hemisfério cerebral, mas que sempre funcionará envolvendo todos as áreas cerebrais, e portanto, também o outro hemisfério contra lateral estará em atividade.

A Sincronização da Frequência Alfa (a)

Quando uma pessoa começa o exercício da meditação, ela estará começando sua atividade cerebral a partir do seu hemisfério dominante; ela estará em uma disciplina de controle respiratório, postura, atenção, intenção, imaginação e tudo isto aliado a consciência corporal e do ser. A busca pacífica desse estado, leva o seu hemisfério dominante a entrar na frequência alfa; ao insistir na continuidade do treinamento, o outro hemisfério cerebral também passa para a frequência alfa de modo sincronizado.

Efeitos Fisiológicos Observados

Quando se consegue a sincronização alfa observa-se o relaxamento corporal profundo, em consequência das mudanças bioquímicas produzidas corporalmente na pessoa:

Diminuição da adrenalina circulante; diminuição do cortisol; redução da ansiedade e do estresse; sensação de bem estar e paz; melhora da cognição; entre outros.

Quando a meditação torna-se uma disciplina diária, em ambiente adequado, tempo adequado, controle adequado, poderá baixar os níveis de frequências em direção a delta (d), favorecendo o desenvolvimento da criatividade.

As meditações temáticas, objetivando a obtenção da sínesis (sintonia com conhecimentos), requer direcionamento e assistência de alguém treinado e responsável. Elas são praticadas nos mosteiros e centros de pesquisas em saúde e educação em várias partes do mundo.

A Meditação na Saúde e Educação

A meditação poderá ser praticada em busca do equilíbrio da atenção, da cognição, da conação (esforço consciente, formação da vontade e da atenção) e da afetividade.

Com sua prática geralmente se obtém melhoras na concentração e no relaxamento, no controle dos sentimentos, na quietude mental, na criatividade, na paciência e no equilíbrio pessoal.
Na saúde a meditação produz sensação de bem estar, regulação do sistema imunológico, regulação hormonal para o controle do estado de alerta, do estresse e da ansiedade.

A meditação tem sido indicada para o controle da depressão, da hipertensão arterial, da hiperatividade, dos transtornos alimentares, dos transtornos do sono e da bipolaridade.

Referências Bibliográficas


Manoel, Felismar. Apostilas de Meditação Vitalizante. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Calibiótica, 2011

Manoel Felismar. Treinamento da Energia Vital. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Calibiótica, 2008

Manoel, Felismar. Apontamentos de Psiconeuroimunologia para Sala de Aula. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Calibiótica, 2006

Yu, Lu K'uan (Luk, Charles). Yoga Taoista - Alquimia e Inmortalidad. Madrid: Altalena, 1982

Zohar, Danah. O Ser Quântico. Rio de Janeiro: Best Seller, 2012

----------------------------------------------------------------------------------------(1) - Professor Mestre Adjunto I da UNIGRANRIO; Doutor em Filosofia da Religião - SETESA/Não Capes; Mestre em Ciências da Motricidade Humana - UCB/Capes; Formação em Psicanálise Clínica - SFPC; Formação em Psicomotricidade Sistêmica - CEC; Formador-Didata em Terapia Psicomotora Analítico Clínica - TEPAC do CEBRASC; Especialista em Docência Superior - IBMR; Bacharel em Fisioterapia - IBMR; Bacharel em Filosofia - SETESA; Bacharel em Teologia - SETESA; Bispo Primaz do Catolicismo Evangélico Salomonita - ICAI-TS.

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